Um conto de fadas

... Então ele caminhou nos contornos da velha Torre?

Cinzas, apenas cinzas, não havia pó que fosse do pó ao pó o tributo real dessa era

... Haviam gravuras nas paredes, se me permite dizer, mal traçadas ou escritas.

Os sinos nunca tocam de verdade, quem há para ouvir?

... Folha nenhuma caiu para tocar o chão.

Quero algo para beber, tenho sede

... A coruja, a predadora, a guardiã, ela é impecável no que faz e isso faz dela algo em ser.

Espirais, espirais que não terminam e, delas, partem bestas, truculentas, famintas

Eu tenho sede sire!

... Talvez esteja mesmo frio, mas não há outro caminho que não os ventos soprarem nesse ímpeto tênue absurdamente em uníssono com suas volúpias coléricas.

Quero sair daqui!

...Há luzes, sombras, sobras de uma candeia qualquer jogada ao fim de sua existência plúmbea; sobras, restos de óleos ferventes que açoitam a carne.

Frigidíssima alma que sonha, em turbilhões e vórtices de eras, alma que repousa, que se encontra, perdida, perdida nos mares que encerra

Não pode me trancar aqui!

... Há uma sombra maior que qualquer sombra outra que caminha, essa nos tomará por impetuoso assalto, essa, nos carregará um dia para o mesmo destino das folhas.

Quero chorar...

Nem tudo que é será, ou tê-lo-á feito ou dito por si ou uma espécie de não que não decerto há, embora exista.

... Tudo se perde e se perde de uma forma tal que não se conduz para essas folhas que nos demonstram sua dança assombrada.

Quero me perder também, quero chorar, mas não sei por quem...

... Eu vi! E por ver jamais tê-lo-ia dito, todavia ouço o que ouvir jamais dever-se-ia ter ouvido e por ouvir e ver e não sentir aquela forma assombrada eu digo... Tudo é efêmero.

Não há fim... Não há fim nessas terras onde caminha, o fim é para quem ousa atravessá-las com sua pouca existência efêmera.

...Uma constante entre ser a poeira que se arrasta pelos cantos de uma sala qualquer ou das gargantas de donzelas perdidas em arcos de tortuosos pontos ou réquiem em conto-de-fadas.

Quero colo...

Vozes do sepulcro, enterradas nelas mesmas, ou delas mesmas partidas por si só nessas sinfonias distantes que exalam dos vapores aprisionados na madeira que estala, no véu que cobre a vela, que se queima nas aras.

Para! Faz ele parar!

Não há volta, não há fim, não há para onde ir

... Tomar ciência do desespero que infecta a carne não nos faz um passo a frente ou um passo atrás dessa existência atrós que a todos os seres desfaz em seus carrilhões congelantes.

Ele aguarda calmamente, enquando ouve girar a pedra de mó. Ele aguarda ouvindo essa sinfonia hedionda como se os próprios ossos fossem ser os próximos... Ri com uma estranha leveza e logo cai em gargalhadas profundas.

Faz ele parar... Por favor...

Não há como não ver o que já fora visto, não há como esquecer o que já fora compreendido

Eu tenho medo

... Certa vez, minha criança, decobrimos que tudo era efêmero... Agora, só estamos aqui reinvindicando o que é nosso por direito.

Há vapores por todas as partes, infestam as cortinas, invadem as janelas, penetram a clareza mórbida da fala e o mistério profundo do silêncio. Há vapores por todas as partes, nessa sala, nos salões da mente. Há brumas nesse réquiem e na chama que se consome da sua própria fumaça. Há vapores, há vapores que giram em um vórtice eterno, em turbilhão frenético. Há vapores inominaveis que partem de parte alguma, a buscarem suas crias da maldição que se encerra; todo vapor que vem e que parte e que desce e que sobe do ventre e para o ventre do que chamam de terra.

Quero gritar...

...Deseja o grito que quebre todas essas vidraças que nos separam desse mundo tempestuoso que se faz lá fora. Não há nada lá que possa mais ser contemplado com a inocência que a criança olha e se estremece ao ver o raio. A chuva vai castigar essa terra de ventos eternos com seu sopro úmido, como se lambesse cada janela a procura da cálida carne viva e só encontrasse em sua língua voluptuosa a lisa pedra fria que não fomenta seus desejos, mas lhe entorpece com a ira.

Correntes, correntes nos meus braços...

... E que suas pernas enlaçam e lhe condenam, a viver para sempre sob as gotas que por esse teto escorrem, que umedecem as outrora graciosas cortinas.

A água borra a tinta desses tomos que o mundo encerram, torna cada história escuza e embebedam as folhas em lacunas e brenhas irreconhecíveis. Inunda cada página com lágrimas negras que escorrem pelo chão e se perdem nas frestas da pedra.

Está subindo pelas minhas pernas!

... Está debatendo-se contra as rochas, lutando contra a terra. Escorrerá pelos céus esse choro tétrico, as mágoas criadas por esses sopros arfantes, que encerrão o que foi e o que será em tudo aquilo que agora se tornará desconhecido por ditado de lei dos punhos de colérico arconte.

Lágrima que escorre e contra o chão se debate, que vem à Terra e se volta novamente ao firmamento. Lágrima que escorre, lágrima que sobe pelas paredes e das paredes ao teto, que tece seu lento julgamento.

Está subindo... Correntes...

... Não pode ser parada. Seu desejo fluido não pode ser contido pela vontade; escorrerá, escorrerá pelos cantos da mente donde jamais outrora fugira quaisquer palavras, escorrerá por onde o silêncio mortal sempre reinara, pelos sinos que soaram profanos a romper a quietude dessas terras ermas de cujo ventre jamais saira qualquer protesto de vida.

Raios, raios que varrem a terra em seu delírio febril... O relógio gira contra sua vontade, volta seus ponteiros de forma caótica e avança e retrai tímida e firmemente em todo caos que sua imagem concebe, entortam-se mais, cada ponteiro e número sem forma que dançam livres e sem ordem ao toque sedutor do raio.

... Não só a vela queima. As almas perdidas entre as sombras que rastejam sabem que não só o vinho lhes enrubesce a face, que muitos corpos inocentes padeceram na chama para livrarem-se de pecados que não lhes pertenciam. Nunca souberam o que eram, ou quem eram, ou se seriam... Nunca disseram-lhes duas ou três palavras que lhe valessem a pena e os arremessaram ao toque da chama.

Está quente...

...Chamas que se consomem de sua própria história, da ardente e truculenta lei que se abate sobre os seres que ousaram pensar um dia.

A chama que consumiu os ancestrais agora regurgita as almas dos justos e vem à Terra cobrar o seu tributo.

... E tudo faz-se em pedaços, a madeira se torce e arrasta o ferro escarlate, junto às pedras que sustentavam as paredes que ardem.

Minhas vestes se desfazem, descomponhem-me...

Não há volta, não há volta por esses caminhos que se contorcem... A terra se fende, a pedra retorce. Pó. Vejo pó, vejo a Torre se desfazer e ser tragada para o ventre da terra.

Tenho medo...

... A velha Torre se desfaz pela mesma lei que a criou. Em pó que sobe aos céus que se misturam com a Terra, no vórtice final de seu julgamento. Cada cor, cada cor resume-se em si mesma e se misturam e aguardam empunhando a lendária lança que sobre a noite avança com seu grito seco e seu estalo estrondoso.

Há em tudo que é criado sua própria ruína

Estou livre?

Uma imensidão alva, um clarão eterno na consciência.







------ Alguém ainda quer tentar me entender? ------

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