Das redações, poesias e símbolos incompreendidos

Assim tem sido meus dias: provas, provas, provas... Elas tem atrasado a atualização desse blog, para a sorte de todos. No que entendo, a prova de redação da UFMG é digna de nota aqui, não por ter sido uma prova brilhante, mas por ter sido tediosamente previsível e por me ter feito ver o quanto os da minha idade estão andando cada vez mais rasos. Uma questão que julguei de facilidade tremenda (e pelo visto a UFMG concorda comigo, já que ela estava entre as menos valorizadas), mas antitéticamente a de maior beleza, tratava do livro "flor da morte" de Henriqueta Lisboa. A questão deveria ser um momento de descontração e fluidez poética, mas foi, pelos comentários das pessoas lá presentes, a considerada mais difícil. Ora, para não dizerem que exagero vou citar, tentando confiar na memória, a questão de que falo. Era exposto um fragmento de poema ("o véu" para quem leu o livro) no qual a imagem simbólica do véu era evocada e muito bem explorada pela autora (gostaria de poder aqui descrever o quanto o trabalho linguístico nesse poema foi impressionante, tanto técnicamente quanto líricamente, mas ainda estou traumatizado pelo que presenciei), o enunciado pedia nada mais nada menos, se não me falha a memória, para que a criatura que fosse rabiscar a questão explicasse a simbologia do véu. Bem, o véu é um símbolo de indeterminação e, como a maioria dos símbolos de indeterminação (principalmente dos movimentos simbolistas), é extremamente fácil de se compreender e não tem absolutamente nada de novo, sendo usado por diversos autores em diversos textos que se aproximam do gênero. Talvez só não seja mais comum que o crepúsculo e as neblinas e vapores. Como não bastasse isso, o poema escancarava uma associação entre véu e máscara (que possuem até características físicas análogas) que poderia ter sido explorada pelos candidatos como um aspecto simbólico perfeitamente e com imensa facilidade. É só uma pena que, se as criaturinhas não perceberam nem isso, não devem ter muitas pessoas que partiram do ponto mais brilhante de análise que consegui perceber no momento da prova: O véu expressa toda a delicadeza da poética da fragilidade explorada no livro sem perder, sob essa ótica, seu aspecto de símbolo de indeterminação. O véu turva a visão, mas não a suprime, permite ver, mas nunca com perfeição... É a própria essência de quem tenta contemplar a morte ainda em vida, uma nuvem de imensa força e, paradoxalmente, delicadeza que pode romper-se a qualquer momento e revelar o segredo da morte para aqueles que deixam a vida " entre a vida e a morte apenas um véu". O véu é, na verdade, um símbolo dúbio, multifacetado e trabalhado de forma original e com enorme perícia pela autora... Não é de admirar que seja mesmo uma pena ninguém perceber isso, eu poderia ressaltar ainda diversos aspectos trabalhados no mesmo apenas no trecho citado, como as implicações sociais e a idéia de movimento e fluidez, mas não vou prolongar-me. Deixo os senhores com essa análize grosseira e improvisada mesmo.

Não há um véu sob o rosto das pessoas, há uma lona de construção mesmo, dessas que não deixam passar nem a mínima luz. Não estou fazendo um apelo por algo complexo, é o mínimo, o mínimo mesmo para quem leu pelo menos algum livro de poesia na vida (não, não vale "o cravo e a rosa", vamos deixar o jardim de infância para as criancinhas, elas são ciumentas, e não vamos arrancar os poeminhas delas, ok?).


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